DOIS CÃES SE ABOCANHANDO COM SAUDADE

 


Dois pássaros pediram para entrar na minha casa e me contaram muito sobre a vida. O que é engraçado, não há vida nas nossas memórias, e é curioso como nos reencontramos nos finais de semana— como nossas mãos se deitam nas xícaras sem a companhia de olhos assustados, ou cicatrizes de guerra. Prometi nunca mais falar sobre isso, mas, você— e melhor do que qualquer um— sabe que eu jamais poderia deixar de escrever. E irei escrever, apesar de tudo. Você se lembra dessa frase? Ou daquele sonho? Acho que todos os espíritos da natureza que andam invadindo o meu quarto querem falar sobre isso, e eu não sei onde sepultei as nossas promessas— não posso falar sobre algo com um paradeiro tão incerto. A última vez que te escrevi estávamos mortas. Mas todas as cicatrizes viraram manchas amareladas pelo tempo e escondidas por tatuagens, nada que fomos nos conta. Nada que fizemos pode voltar a vida e nos pungir

                        De  

                                    Novo.

                         E

           De

Novo.

Não. O sol jamais poderia morrer nessa vida, e nossos corpos estão cheios de seus beijos. Os pássaros cantam sobre você, mas eu já não ouço direito. Não com a mesma atenção, não com as mesmas palavras nas pontas dos pés. Os rituais foram dissolvidos, e o nosso altar é um mito. Se eles olharem nos seus olhos jamais saberiam— eu jamais permitiria que eles soubessem, ou que eles usassem do que aconteceu. Nove palmos debaixo do mar: somos as criaturas das ondas que não podem confiar. Somos um par de almas saudosas e cabelos longos que um dia se apoiaram em nossos ombros com tanta tristeza. A cada sete anos nossos cabelos se renovam— temos mais cinco anos carregando as sujeiras do passado, da promessa sepultada. Será que sentem o cheiro da memória? Será que ainda temos os olhos desesperados para fugir de casa? Talvez, sejamos para sempre aqueles planos de uma vida nova. Aquelas cartas contam cada detalhe— você sabe, eu sei, e ele gosta de pensar que foi tudo um lapso no tempo. Mas, se arrancarmos os capítulos delicados seremos vagas, seríamos vãos e seriamos nada, nada, nada. Que tristeza deve ser viver uma vida que não possa ser partilhada com a sua alma. Acho que a nossa nova distância deva ser um certo tipo de benção, acho que não saberíamos fazer nada melhor do que isso.

Enfim, eu

                     andei

                                   folheando

                                                   as

                                                        nossas

                                                                     histórias,

acho que o final do ano sempre vai ser um tanto nosso, um tanto azul. Gosto da última memória do seu sorriso da mesma forma que você gosta de esquecê-las. Preciso achar novas memórias para tingir esse ano, e todos outros— recomendo que faça o mesmo, recomendo que mude até a cor da caneta, e mude de gramatura de papel. Eu preciso confessar que arranquei nossa promessa do pescoço e encontrei algo que me devastou— não existem traços de nós. Apenas a vida nos conta e eles juram encontrar ingenuidade pulando entre os nossos cílios. Que engraçado ouvir tudo isso. Que agonia que este novo silêncio adormecido no amor causa. O silêncio sempre foi uma guerra fria. Acho que mentiram para nós, e agora precisaremos entender o que é viver sem sangrar feridas alheias. Que tortura— ter que entender o que é gentileza pela primeira vez. No começo do ano, lembro de ter escrito como a ideia de achar a gentileza genuína nos olhos de um homem me apavorava. Hoje posso te confirmar que ainda me apavora, mas que achei. E isso de certa forma me desmorona— não sei ter uma vitória na vida sem você. Queria que nossos espasmos fossem gêmeas siamesas, e eu sei que você jamais esqueceria sobre como foi a razão da minha história.Nossos cabelos estão em novos tons, mais maduros, mais saudáveis. Se passássemos a tarde na piscina de novo voltaríamos secas e nos mesmos tons de amor e saúde. Você ainda segue saciada? Não sei, pois te observo de longe. Acho que você sempre vai ser essa fugitiva, correndo de si. Abraçando o que fomos, mas sempre me deixando acordar sozinha. Manhãs fluorescente caminham até os túneis que me levam para longe da nossa cidade— cemitério de segredos. Que benção dolorida se saber diferente. De se ver crescer e de te assistir sendo tudo aquilo que sempre sabia que seria— viva.

O sol não pode morrer enquanto ainda conseguimos engolir mais um pedaço de nós. A fome não pode gritar se gritarmos primeiro. As estrelas não delimitam os nossos poemas— você nem ao menos escreve mais, acho que eu fui a tua praga. Acho que você era a minha também. Aquelas ruas foram repintadas e estão mudando os nomes que estampam as placas. Ninguém nunca irá saber das noites incendiadas. O sol não é um estrela prestes a morrer— igual tinha te falado nos meus medos— aqueles homens não eram nossa salvação. Nada que sangrou na nossa pele reside em nossos ossos. O sol não está morrendo, e esse não é o nosso fim— talvez, em cinco anos seremos limpas, por completo, para sempre.

(E eu sempre irei amar os seus olhos e abraçar os seus ossos)

Me escreva, quando der.

Te amo, sempre.

Com saudades nos olhos,

Sua Luiza.

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