UM MINUTO DE SILÊNCIO/ UMA ODE AS MUSAS SEPULTAS
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| RENOIR Auguste,1881-82 - Pêches - Detail 03 |
O medo vêm da certeza de que nunca mais seremos
tão estupidamente esperançosos e jovens de novo— não da mesma forma. O quão mais
velha eu fico, mais distante nos tornamos— eu pedi por uma última palavra, mas
acho que suas cartas de perderam no caminho. Então, agarre aquele minuto de silêncio,
por favor. Um minuto, apenas um minuto de silêncio pois é tudo que ainda temos
para celebrar. Não sei escrever se não for sobre a fome ou sobre amor— ando saciada,
de certa forma. Mas não existe um par de olhos ao meu redor para amar—, todas
as minhas musas morreram pouco a pouco. Tudo que nos resta é o silêncio e a
certeza de que um dia seremos mais velhos, mais serenos e certos de que tudo
que é finito será exatamente o que sempre foi— passageiro.
Andei passando incontáveis tardes na sala dedicada a Renoir no MASP novo— observando cada alma, e ouvindo cada comentário. Como será estar do outro lado da pintura? Como será a sensação de ser eternizada e envernizada para sempre. Estar exposta e disposta para qualquer um passar, olhar, julgar, rir— as vezes, bem no fundo eu queria saber como é não ser o artista uma só vez. Dizem que drena a sua alma e te cospe seca, mas, e se o artista se mover em silêncio? E se suas musas nunca souberem disso? Talvez a relação entre os artistas e suas obsessões sejam sempre diferentes do resto. O mundo boêmio já respira em outro tempo, vive em quinas opostas e usa marcas que nunca foram pronunciadas em público— mas a musa é uma pessoa comum, amena, pacata. Como é que temos a coragem de fazer isso com elas? Como será que Renoir se sentia ao pintar todas aquelas meninas? Como será que elas se sentiram sendo julgadas pelo seu peso nos dias de hoje? Entre os bancos no meio da sala e a escadaria você pode ouvir senhores rindo de suas (das musas) posturas. Como o seu corpo imóvel tinha sido capturado, ou, como seus olhos imploravam por algo. Se você perguntar a mim eu te diria que elas estão implorando por amor. Não estou falando sobre sexo. Pele sob pele, olhos engolindo olhos— estou falando de levantar cedo e poder encostar nossas xícaras de chá na pia. O mal do artista é nunca poder se saciar— jamais seremos uma ode, ou mesmo os nossos trabalhos. Sempre estamos falando do mundo, e nunca de nós mesmos.
Por favor, um minuto de silêncio pela falta da
sua ausência e a abundância das tuas palavras mortas. Um mero minuto antes que
você se torne uma pessoa de verdade— carne/ossos/sangue/olhos. O segundo antes
deste avião pousar era tudo que restava de você. Quem é você quando não está
performando no outro lado do oceano? Quem é você quando é humano? Acho que
estou ficando velha o suficiente para deixar de ser a minha idade, e acho que
isso te cansa um pouco. Somos velhos, mas a diferença é que você está morrendo.
Eu ainda tenho tempo para encontrar outros olhos para tomar como se fossem a
minha casa. Nunca foi sobre o amor, mas certamente foi pela fome. E o silêncio
que nos conta irá reverbera por décadas, ou, enquanto ainda existirem poemas a
serem publicados sobre o charme e a fama do desejo de ser intocável.
Quando cheguei em casa foi como um salto no
tempo— abandonei todos os meus livros, pinturas e souvenirs aos dezoito anos e aos dezenove tudo permanece
intacto. Não tenho motivos para esfolar meu corpo debaixo d’água quente— estou
limpa por completo de todas as musas que me fizeram poeta. Agora existe um
vazio amargo, um lugar conhecido e reconfortante. Perto de minhas canetas e longe
de minha datilográfica. Existe uma esperança em tudo isso, sabe? Algo concreto,
algo meu. Minhas próximas tatuagens serão minhas enquanto o tempo não arrancar
elas de mim. Este é o mais perto que cheguei de ser uma musa. Eu peço então,
por favor, um minuto de silêncio para as musas sepultadas & para aquelas
que foram abandonadas por serem pele/cor/cheiro/gosto. Um minuto de silêncio para
as almas das musas sepultadas.

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