A IMPORTÂNCIA DE SER VULNERÁVEL






Evolução nº13, Hilma Af Klint (1908)

                  

oito de maio, 2025


“To ache is to be alive. To ache is to be alive” — a frase da música I Am Digital, I Am Divine. Uma das minhas favoritas do ano, e certamente de uma das minhas artistas do momento; Erin LeCount. O peso que seu EP (do mesmo nome) trouxe para minhas últimas semanas é inexplicável. Mas prometo, tenho um ponto. Apenas sabemos que estamos vivos pois sentimos dor, de certa forma foi isso que me carregou. O azul inexplicável que afogava cada centímetro de meu corpo me manteve viva por algum motivo. Debaixo do sol de outono e entre os fluxos de silêncio dentro de quatro paredes e gritos dentro de trens, sabia que estava viva, e isso é mais doloroso do que deveria ser de certo modo. E isso soa, de certa forma, como uma ingratidão a todas as coisas bonitas e emoções honestas que sentimos — mas é inevitável, a dor te segura como mãe e te desampara como um dogma sem palavras sinceras. É fácil sangrar, mas é complicado de assumir isso — que você sangra. Que você chora. Que precisa sentir. Que seu corpo tem massa, cheiro, marcas. Que tem palavras que agem como facas de dois gumes — andamos entre as mesmas linhas que os nossos pais, e isso é assustador. Mas é humano. E precisamos disso — admitir. Bom, eu posso começar. Eu admito que ando dormindo mal pois ando distante de minha alma e isso costumava me incendiar viva. Mas, em meu último trabalho fui acolhida por uma fala de duas mulheres na seção de psicologia, “é preciso deixar a alma sair de nosso corpo quando ele parece pequeno demais. A gente sempre vai voltar quando tivermos tamanho o suficiente para acolher nossa alma.” — acho que elas não sabem como essa frase fincou nos meus ossos. Às vezes somos algo além do que podemos sustentar, às vezes precisamos deixar pedaços de nós escorrer pelo nosso choro, e precisamos nos encolher até o nosso ponto de origem. A vulnerabilidade é difícil de se conviver com pois nos remete à mortalidade de nossos sonhos. É difícil admitir que acaba. E que mudamos, e que tudo que um dia queríamos ser talvez morra em nossas mãos — o nosso trabalho é dar aos nossos sonhos sepultados um funeral decente, algo genuíno que mostre empatia. Empatia é um dos atos mais vulneráveis de todos — abrir seu corpo sem casa, sem nada, para um algo ou alguém que pode a qualquer momento apontar o fim diretamente ao nosso peito. A empatia vem com o tempo, e o egoísmo também. É estúpido pensar que um “não”, um “adeus” que o desagrade é rude. Ter a coragem de ser egoísta talvez seja o ato de vulnerabilidade que irá salvar a sua vida.

Tive de ir embora, e para eles isso me fez horrível — quase demoníaca. Quando deixamos de ser, e quando deixamos algo morrer em nossas mãos estamos escolhendo a vida. De novo, e de novo. Pois, essa dor de deixar um sonho morrer nos comprova que estamos aqui para sentir isso — por mais sádico que isso vá soar, a dor é uma bênção. Nos lembra da vida, e de tudo que virá quando essa falta parar de doer. Isso é carne, pura carne humana. Completamente nua na sua frente. Não esperando ser compreendida, não esperando empatia ou carinho — é apenas humano. E admitir que somos orgânicos, e que nossos sentimentos também são orgânicos e que tudo que começa eventualmente morre é o maior ato de vulnerabilidade que poderia degustar entre suas palavras.

Hoje, me permiti acordar tarde pois não tinha nada para fazer antes das dez da manhã — mesmo assim, mantive os alarmes pelo prazer de lembrar que poderia ficar na casa. Fiz uma xícara de chá e escrevi no meu diário no meio da cozinha — comi waffle lambuzado de um novo sabor de geleia. Saí de casa com meus tabis nos pés e minhas luvas nas mãos. Com a alma exposta ao sol. Admitir que a vida andava triste é difícil. Perder alguém nunca fica fácil, e “amar é deixar ir” continua sendo a minha contradição predileta. Andei pelo bairro que você odiava — um passo depois do outro. Você iria rir, mas olhei para as senhoras reclamando de suas viagens ridiculamente caras enquanto comprava meu jornal predileto — você riria delas até amanhã!

Sentei-me na cafeteria ao lado da minha faculdade e abri o caderno sobre política enquanto tomei um segundo café — senti muito a sua falta, mas não existe nada que te traria de volta. Talvez seja melhor assim. Te encontrar entre as linhas do céu que acompanham meus passos novos. Talvez você nunca fosse ficar por perto de qualquer forma. Quando sua falta me dói eu lembro da vida, e de tudo que nos trouxe até aqui — e todos os passos tortos que te arrancaram de nós. Pude sentir as paredes desmoronando e nosso legado morrendo naquela mesma casa — sempre existiram duas opções: morrer com aquilo que foi, ou, viver sem saber o que seremos. E assim, escolhi crescer meu cabelo, trocar todas minhas peças de roupas densas pelo vintage. Decidi ir embora, completamente só — carne & alma. Você detestaria isso, mas não posso seguir a minha vida de acordo com os sussurros da morte. Então li o jornal sozinha, desfilei com ele em meus braços pois em sua capa há um retrato de Virginia Woolf. Encontrei novas amigas, e falamos de tudo que nos une. É importante sangrar, pois assim temos a chance de lembrar que a vida é muito mais do que tudo isso. E que somos finitos. E que temos que ficar em silêncio e assumir que amamos, e que morremos, e que seguimos em frente.

 

“Spilled my heart out on kitchen floor tiles/ Milk teeth, I bite down, I wait for it/ I'm a good girl with strong bones and milk teeth
I'll outgrow him, I wait for It […] We stand there in the kitchen/We both know that this is it, yeah/ The milk pours down the sink and/ I'm having big feelings/ Our love and milk expired/ And I'm too tired to fight it/ To ache is to be alive, to ache is to be alive/ To ache is to be alive, to ache is to be alive/ I am digital, I am divine/ To ache is to be alive.”

    Erin LeCount, I am digital, I am divine.

Comentários

  1. Oii Lu, tudo bem? Queria te dizer que sou uma grande admiradora e fã de sua escrita, e queria te dizer também que em momentos como este, me perco em suas criações. Te acompanho aqui, no YT e Instagram, e só queria realmente te enviar um pouco do meu amor kk pfv nunca pare, você não sabe como suas criações impactam em minha vida 💞

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    1. Querida, que coisa linda, linda, linda essa que você escreveu! Fico emocionada em saber disso 💞💞💞
      Fique tranquila, pois enquanto tenho ar dentro de meus pulmões também irei criar!!! Muito mas muito obrigada por todo o carinho 💞
      mil e um beijos!!!

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  2. começando recentemente a ler seus textos e amando!! voce é muito talentosa

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    1. Aaaaaaa, queirida!!!! 💞💞💞💞💞💞💞💞💞 muito obrigada!
      estou feliz ao saber que está gostando <3 esse blog é realmente muito importante para mim

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