DE SATUNRO ATÉ A TUA CASA

 






VIM DE SATURNO PARA AMAR VOCÊ.

 

“EU FUI FEITA PARA AMAR VOCÊ.” — Ainda gosto de soltar pequenas mentiras entre as nossas conversas. Acho que isso assusta um pouco a grande maioria, mas a grande maioria não quer olhar nos olhos, ou mesmo doar o corpo pela arte. Sempre preferi ser assustadora do que ser sua— mas é engraçado usar tal palavra quando não sei o que significaria. Não sei a quem pertenceria, isso perdeu o sentido após ter fixado neste sentimento. Se tem algo que sei e que levo no peito sem medo é que sou obsessiva, e não sou nada antes da fissuração. Deus ajude as almas daqueles que se encontram dentro das minhas paixões momentâneas. Minhas pupilas dilatadas e minhas palavras sempre mais ágeis do que a minha ética tem uma fome mais forte do que os roncos de meu corpo. Tem tantas palavras na ponta da língua que escrevi este ano, tantas coisas que eu desesperadamente gostaria de cuspir na tua garganta— você jamais terá como ouvir, não da mesma forma que teríamos idealizado. Andei lendo dentro de igrejas, e acho que isso afeta a estrutura dos meus poemas, e isso os faz polidos demais para mentes de palavras tão bradas.

Dentro de todas as minhas descobertas, a mais triste foram as dos artistas quais não acreditam na boemia. Os leitores que não leem. As vidas que não se movem. Como pode uma alma tão cheia de bom gosto ter tanto medo de tudo que seja parcialmente místico? Finjo esquecer dos olhares tortos e das bocas caladas quando me deito debaixo do sol, quando converso com os garçons de meu restaurante predileto— eu lia Virginia Woolf, como sempre, é claro. Ele disse que prefere ficção medieval e eu fiz uma piada ruim sobre o Ken Follett. Nestes poucos momentos que ando só, tenho sempre a minha pilha de livros, e o meu fiel diário. É bom evitar o trabalho de tempo em tempo, andei trabalhando muito— por mais que muitas pessoas não entendam como tal, o que é engraçado, a falta de crença nas palavras de um poeta... talvez seja por isso que o mundo anda tão bruto.  Mas, possa ser que as minhas mentiras se costurem com o meu âmago, possa ser que da mesma forma que não creem no meu amor eles não admitam o meu desinteresse. Se eu soubesse como olhar diretamente para o céu e dizer— “Acho que existe algo triste dentro de mim, algo permanente, algo que amor algum ou musa alguma possa tirar do meu corpo.” — se eu chorar na sua frente as coisas seriam muito mais sérias, então eu recheio o nosso silêncio com histórias estúpidas sobre tudo que aconteceu cinco anos atrás. Você nunca vai reparar na tristeza que me faz se eu continuar fugindo de mim. Enfim, acho que andam se preocupando demais com o peso das palavras. O carinho, a empatia casual são coisas que não vemos por aí— eu sinto falta de mãos carinhosas e olhares famintos. Do tipo que você pode falar “eu amo você.” Mesmo sabendo que isso jamais seria possível. A fricção entre corpos, a dança das palavras, os abraços, o amanhã incerto— tudo anda eterno, tudo é muito sério. A morte da arte vem daí, desta falta de momentos sem a promessa de um contrato de alma.



“Você se veste como se estivesse voltando de uma festa as oito da manhã!”. Minha cara amiga, com o sorriso maior que a sua estatura me disse isso pela manhã. Acho que ela está certa, dependendo do dia/dependendo da alma que se emaranha na minha carne. Sou completamente polarizada, sou completamente religiosa ou sou completamente bestial. Ando em paz com tudo isso, com o fato de viver uma controvérsia e com os olhares feios dos seguranças do meu prédio ao me verem saindo sem uma promessa de que irei voltar. Calcei meus saltos mais usados e rastejei até a calçada que proclamamos nossa. Sentei entre as grades e o cimento e ascendi os finais de nossas falas. Você sabe, não pode ser considerada uma “Walk of shame”, sem uma sacola de padaria nas mãos e tudo que carrego comigo é o meu orgulho, uma lata de Red Bull Zero e cânticos bíblicos. Ando conectada com um pedaço meu que não lembrava, e isso te impede de encostar nos meus ossos. Acho que sou alma demais para isso, que pena. Eu queria mentir melhor, eu era ótima nisso, sabia? Ninguém nunca soube de absolutamente nada sobre mim até fevereiro deste ano. Eu era boa, eu era muito boa nisso— olhe nos meus olhos e minta que você aceita as minhas mentiras sobre como eu amo você. Apoie o teu corpo condenado na minha alma bastarda e escreva outra música sem ritmo comigo— “Isso é muito bom, você deveria continuar com esse projeto.”, talvez, no meio dos acordes eu te fale como eu gostaria de ser sua— isso não é mentira, mas eu sei que soa como mentira. Afinal, não se pode confiar em poetas sem roupa na calada da noite. Você sabe, eu sei, e eles esperam por isso.



Na minha frente existem dois olhos vazios e uma coleção de palavras vagas sobre santos. Olhei para o meu copo parcialmente tomado pelo gelo derretido e tentei me concentrar no vento. Eu não queria estar aqui, eu não queria ter que falar com ninguém. Eu não queria beijar um homem que me chama de absurda por ter fé na humanidade da mesma forma que eu tenho fé em um algo maior. Ele diz que eu sou uma falsa profeta, mas você só irá me encontrar nas igrejas ao lado de minhas lástimas, ou de minhas almas prediletas. Eu não queria estar aqui, usando o meu vestido predileto que a minha mãe usava para parar o salão de baile em casamentos exagerados— acho que homem algum acredita neste tipo de coisa hoje em dia, isso é triste. Isso molda os meus poemas. Olho para o corpo feito de ternura de novo, tento falar sobre como a dúvida nos faz humanos e que “penso logo existo” é uma falha de tradução. Ele não entendeu a correlação entre Deus e a dúvida. Voltei para casa e tomei um banho fervente enquanto chorava pensando em quanto gostaria de ter passado essa tarde debaixo das árvores com alguém que saiba olhar nos olhos de uma pergunta. Não existem muitas pessoas assim, mas acho que fui sortuda o suficiente de encontrar algumas destas almas para chamar de minhas amigas. O que vou falar agora pode soar como ingratidão, ou como gula— mas, eu queria encontrar a delicadeza da violência e da dúvida em olhos que saibam mentir para as minhas mentiras. Que apoiem os olhos na minha figura e digam— “Acho que vim de Saturno para amar você.” — sempre amei este conto, mas não tem por que falar sobre contos com as minhas musas. Eles preferem o controverso, pois o controverso não pode ser diluído, então eles podem ter posse daquilo. Algo desalmado, mas cheio de carne— malditos sejam os leitores que não vagueiam pelas palavras, malditas sejam as mentiras sem fundo.

Olho para os cantos desesperada por mais um copo, ou por um garçom. Peço a conta e vou embora— que paz me traz saber que por cinco noites, ou por um verão você me tem, mas, quando volto para casa sou eu quem abraço a minha verdade intacta. O silêncio morre na minha solidão, e eu não ando tão só assim. Fecho os olhos e penso em minha melhor amiga, no seu perfume e em sua mensagem despretensiosamente profunda: Você lembra do nosso último novembro? Acho que eu jamais poderia esquecer disso. Acho que eu jamais poderia mentir para ela. São esses pequenos detalhes que diferem Saturno da Lua. O teu oceano e as nossas ondas. Não posso te explicar muito mais, ou irá perder a graça e você nunca vai procurar entender como eu vim de saturno para amar você.

 



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