COMO PODE A MINHA CIDADE ME LEMBRAR DE TI?
XX de Novembro, 2025
“Existe algo mudando em mim, existem mil e um sentimentos que não sei lidar com— acordei essa manhã com lágrimas nos olhos. Tudo que soube fazer foi chorar, e eu chorava sem parar. O motivo em si é incerto, mas acho que é amor. Nunca entendi emoções gentis, e gentileza é tudo que mora ao lado do meu peito—, os rituais de amor são só meus, mas, posso admitir que andei borrifando perfume nos travesseiros para sentir essa fervura nos sonhos. Essa casa anda pequena demais para emoções tão grandes, para coisas tão palpáveis. “O que aconteceria se eu continuasse viva?”, é a frase que você vai achar em todos os outros trechos de quando eu ainda era menina. E, o que acontece quando continua a viver é um emaranhado de oceanos. É preciso confiar em nós mesmos, e eu preciso começar a confiar em você também. Olho para dentro dos pares de olhos mais próximos e sei que posso chorar. Mas essa alma é minha. Essa alma é minha, e a história que ela trás consigo é muito triste— tudo que eu sei fazer é chorar.”
★ ★ ★ ★ ★
Tirei todos os livros do lugar, lavei todas as minhas roupas sujas e achei as chaves das minhas memórias— em um pequeno baú, onde originalmente era o lar das minhas tintas a óleo, lá estavam todas as partes de nós que a minha alma achou que mereciam ser guardadas. Lá estavam todas as pulseiras que * fez para mim debaixo daquele verão—, ainda penso naquele verão. Ainda tento apagar os dias ruins, mas isso seria como apagar dois meses de nós, e quem seríamos sem aquela guerra de palavras ácidas e insatisfação muda? Enfim, nesta mesma caixa achei todas as tranças que prometi amar para sempre. Eu vou te amar para sempre— e nas minhas mãos sempre encontrará um recanto. Sinto falta de parte disso tudo, sinto falta do meu aniversário de dezesseis anos e das fotos que tiramos com essa mesma câmera que ainda carrego para todos os lados. Acho que eu esqueci de mim, no meio de tudo isso— acho que tivemos finais pois não éramos duas almas, éramos uma criatura sem nome, e eu sei que isso parece uma referência ao meu livro, mas te prometo que não foi pensado desta maneira. Descobri muito sobre mim este mês. As estações não podem me assustar se fingirem serem um inverno perpétuo— faria de tudo para viver em um inverno perpétuo, mas, você sabe que não podemos fugir para sempre. Temos que olhar para as nossas mãos e admitir o que nos faz e o chão que pisamos. Acredito muito no destino. É mais seguro desta forma, sabe? Vejo todas essas memórias empoeiradas e penso que fui ruim, mas eles foram piores, mas fui ruim de qualquer forma— fugir é fácil, desmoronar tudo é predestinado. O difícil e mudar, e ficar. E ficar significa aprender a ser paciente, ou talvez afundar os olhos na sua nova pilha dos mesmos livros que antes ficavam ao lado de sua cama.
Existem mais de vinte e seis conchas no meu quarto e talvez essa seja a origem da voz do oceano no meu cantar. Toda vez que escuto as ondas, sei que estou triste— sei que sonho acordada com a minha próxima fuga, mas fugir é fácil e eu sempre almejo a complexidade das coisas, e eu gosto disso, nos novos olhos da minha vida. A certeza de que estamos juntos, mas da falta de perda de vidas. E com isso, quero dizer que fui de braços incertos que me tiravam o ar e as palavras para os meus braços— para então sentir algo genuíno crescendo entre os fios de cabelo. Posso andar em silêncio, enquanto você anda em silêncio, mas eu sei encontrar você nas coisas esporádicas do dia, e eu sei que você também as vê de certa maneira. Todas nós (e, com isso quero dizer eu e mais outras duas amigas), estamos sorrindo ao lembrar do passado— o próprio, o maldito passado. Não existem muitas coisas nas trincheiras das memorias, mas, existe muito na ponta da língua. Estou quase explodindo, estou quase vomitando tudo isso. Por que é que amamos o amargo da ferrugem tanto assim? Procuramos até em nossos pratos prediletos, em nossos perfumes. Tudo que nos remeta a saudade, e como posso te explicar essa saudade que arde no peito feito um castigo? O mais próximo que consegui chegar de explicar essa dor do arrependimento da saudade foi o frasco de Libre que usava no ensino médio respirando seus últimos momentos de vida, ou o perfume sem rótulo que parei de usar depois de um incidente catastrófico— muito pode acontecer debaixo do sol, debaixo das árvores, e entre as folhas secas. É inevitável, e nós rebobinamos os ossos para sentirmos aquele gosto de novo. “Como pode a minha cidade me lembrar de ti?”. Não sei se esse escrito ficou na mente de muitas pessoas, mas entre 2022 e Maio de 2024 essa frase se sentava despretensiosamente em uma esquina entre a Augusta e a Matias Aires— “como pode a minha cidade me lembrar (tanto) de ti?”, era como um lembrete de que sentia falta da minha cidade/ minha cidade tinha sido invadida por memórias violentas. Como podemos ser tão atados a essas coisas que nãos nos contam? Não somos a poeira do passado, somos as estrelas cadentes triplas acima de nossas cabeças em uma noite qualquer no interior de São Paulo. Não podemos ser pré-programados para encenar as nossas lembranças de novo e de novo e de novo. A vida, e continuar vivendo são atos de amor. Amor próprio e externo— antes de qualquer título: Amor. Somos os novos frascos de perfume que se sentam em nossas estantes e os livros que nunca iremos os dizer que amamos ter lido em outubro, pois paramos de nos falar anos atrás. As mensagens que faziam postes e muros serem especiais na nossa vida se foram em Julho. Nada resta de nós, não a traços que nos interligam. Não nos contam, não nos diz nada. Absolutamente nada— então, me diga por que estou tão preparada para acabar na mesma mesa, no mesmo quarto, nos mesmos choros? Por que é que voltamos nossos olhos a nostalgia como se fosse tudo que tivéssemos?
Ano passado, nesta mesma época eu estava perdidamente devota aos olhares errados e hoje, ao ler aquelas palavras é como observar os grãos de arroz ainda abraçados pelo sangue seco nos joelhos. Quando foi que decidimos aceitar o fardo de sermos tudo aquilo que a infelicidade se alimenta, que besteira. Enfim, acho que limpei quase tudo e arranquei a doença pela raiz. É hereditário, eu sei— irá tecer novos casulos e irá voltar para pegar os ossos que não me pertencem, eu sei— mas, por agora, estou limpa. Por agora mesas de madeira são apenas mesas de madeira, e respostas demoradas são respostas bem feitas— não são o fruto da sua frustração ou a declaração da falta de amor, muito pelo contrário. Tudo que leva tempo é mais singelo, é mais gentil. Por mais que eu não seja a melhor pessoa para te falar o que é ou não gentileza, posso te dizer em uma pequena lista de coisas o que andei considerando gentil. O QUE SERIA GENTIL: A) Braços que te deixam andar sozinha acompanhados de olhos quais jamais te ignoram. B) Um vestido de mamãe qual foi remendado por mim de forma tenebrosa, mas revivido pela mãe de uma de minhas melhores amigas. C) Seus dedos nos meus cachos/ minhas mãos no seus cabelos/ a sua boca na minha. D) Silêncio. E) Livros lido lado a lado sob meia luz. É tudo que nunca pude te contar antes, pois nunca tinha visto, ou engolido, ou conhecido— não acredito que podemos escrever sobre o que não conhecemos, mas acredito muito em nós. E acho que acredito muito em ti. Acho que toda aquela poeira era a causa das noites em claro— acordar sem ar as duas e meia da manhã é algo que não faz mais parte de mim. Os meses perdida entre sonhos sobre trens e promessas incertas, não, isso não nos conta. Tudo foi arrancado pela raiz. O cheiro de chuva prevalece, e o que quer que venha tingir essas próximas semanas será novo e digestível, será gentil e tépido— será amor, na sua forma mais pura.
(nada que fomos nos conta, não, nada que fomos nos conta. Nada, absolutamente nada que fomos nos conta)



.jpg)
.jpeg)
Comentários
Postar um comentário