DEITADOS NO ALTAR
Deitado no altar, ornamentado e coberto por uma manta verde aveludada, estava o pedaço que poderia arrancar um pedaço da culpa deste corpo. Acho que sempre voltamos às raízes mais delicadas quando algo morre. Com o suor entre as palmas, escorrendo até os joelhos acolhidos pelo acolchoado dos bancos da igreja, eu me perguntei se isso é feito para doer dessa maneira. Por que o seu alívio morre no meu estômago e tem gosto de toxinas escondidas em um pacote marrom? Se eu ficar aqui por tempo o suficiente, se meus joelhos começarem a escorregar, talvez essa vergonha vá embora. Talvez a dor seja momentânea, talvez seja apenas um efeito da morte e dos vãos deixados para serem preenchidos nos meses quentes. Ao redor dos poucos corpos esparramados pelos bancos da igreja, existem mosaicos contando uma história sanguinária por imagens gentis — foi aqui que aprendemos sobre os laços entre o amor e a violência, provavelmente. Nada que eles pintaram foi gentil, mas aquela voz da razão pode ter sido o único nódulo de vida para alguém. Agora eu entendo o porquê ela se tranca aqui quando precisa de paz — a última vez que eu entrei em uma igreja foi para a missa feita em homenagem à morte. A morte e a possibilidade de deixar a vida escorrer de nossos corpos andam atando todas as nossas gargantas juntas, mas temos receios, e este laço é trançado de tradições — isso seria como atear fogo às memórias. Descobrir que esse nó na garganta é falso, e que somos completas, e que o ar está entrando e saindo de nossos corpos. Olho para a estátua dourada uma última vez, olho para a moça que veio andando comigo por estes corredores, ela e o terço dela — esqueci o meu em casa, mas dentro de minha bolsa ainda carrego preces pagãs, contraditória, eu sei — é difícil desistir de um pedaço de mim, e minha família sangra em ambos os lados. Acho que ele não ama meu coração com tanta intensidade, pois eu só conseguia chorar — a estátua de ouro continuava imóvel, as memórias são tudo que eu tenho. O sol lá fora canta o nosso nome. A dor da morte de uma possibilidade e a dor da morte literal andam lado a lado, ultimamente. Como poderíamos ignorar o que existe entre as mãos? A materialização do ciclo da vida. Do amor à última gota de sangue. Não sei se deveria te escrever sobre isso, mas eu sou sentenciada a escrever — não poderia fazer nada com tanta alma. Não poderia ficar em qualquer outro lugar com tanta felicidade. É irônico o uso de tal palavra quando falamos de algo tão delicado. Espero que você continue do nosso lado, mesmo sabendo que choramos nos ombros umas das outras, feitas uma ninhada abandonada.
A primavera talvez seja a estação mais delicada de todas, pela abundância de fins e possibilidades de recomeços. Eu não sei o que esperar dos dias quentes, mas eu sei que guardei um pedaço de alma nua dentro de páginas e eu espero que você nomeie aquelas palavras, como se o nome não estivesse entre as linhas — quero que você perceba as letras vermelhas e o significado delas. E que você folheie as páginas e encontre os pedaços que deixei de meus pensamentos em julho. Se pudesse, nunca mais choraria naquele altar. Poderíamos continuar aqui. Com o sol nos ombros e as emoções na ponta da língua — você pode me tirar dos olhos alheios e pode me fazer algo bom. Desde que a primavera veio, muito foi perdido, mas nada do que está sepultado nos conta. Nada que não guarda nossos pedaços com gosto, e tudo que nos entrega estes mesmos ossos pelos correios nos conta sobre o que guardamos nos olhos. Se tivesse coragem, talvez — arrancaria os meus dedos lambuzados de vida, mel e profecias, e derramaria todas as minhas palavras na sua boca. Colocaria a minha alma crua sob o teu calor — será que todas as palavras estão saindo de mim? Acho que me sinto macia por dentro e envergonhada por fora. Bochechas vestidas de vermelho — carne pontiaguda, agora menos agressiva, menos violenta. Minhas mãos percorrem pelos bancos de madeira e eu observo este legado uma última vez, eles não fazem ideia de quem somos. Deitadas debaixo do sol, com o íntimo exposto. Talvez eu possa amar e manter os pedaços de bondade no corpo, talvez a morte nunca arda na pele como ardia, talvez eu nunca consiga sentir a falta, a dor e o desejo em silêncio. Mas ando com vergonha de escutar as palavras saindo da minha boca. Eu juro, se você me prometer guardar estes pedaços perto do peito, eu deixo você arrancar meus preceitos da boca e jogar tuas verdades na minha língua. Não sei ser algo além deste legado parcial e decadente, mas toda vez que traço os olhos pela realidade sei que somos filhos do toque, suspiros da primavera. Quero poder falar, mas não queria purgar nenhum pedaço tão delicadamente deitado ao meu lado — acho que podemos ser singelos se essas palavras forem bem-amadas entre as mãos certas. Somos filhos dos sonhos lúcidos dos dias quentes e odes da chuva, sem dúvida.


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