T ★ RTAS
(título original: incêndios/ a torta de maçã perfeita)
Dormi com os olhos grudados a chama de meus
pedidos— as flores não marcam mais a sua ausência. O tempo se cura, cicatrizes
nem sempre são eternas, não são nossas pegadas no mundo; como sangrei é um segredo,
você não precisa saber sobre o que fui— focar no passado ou antecipar passos só
nos faz perder o que mais importa: o agora. Passei dias de cama e a internet
não me interessa, nunca me animou, mas, ficar horas forçadas na cama me fez ter
uma aversão um pouco maior a tela retangular que se deita ao meu lado. Quando a
gente se desliga do mundo, o tempo volta para as nossas mãos— o filme mais
lindo que eu já vi foi poder reparar nos ipês desabrochando pelas manhãs nubladas,
que coisa linda. São os pequenos momentos entre as multidões que me impede de
sumir, sumir de vez— arrumar as malas, jogar o telefone no rio, deixar uma
carta na cama de meus pais e sumir. Novo nome, novo tudo— são as multidões,
ironicamente falando, que me lembram do que eu mais amo no mundo; viver na
cidade, e saber que a próxima esquina pode acolher o meu futuro. Entre laços,
ou couro, não importa— humano, ou feito de papel, o meu futuro está sempre entre
os meus passos.
Recentemente, o mundo anda desconexo de todas
as formas que poderíamos pensar, e o melhor que posso fazer para recosturar os
meus pedaços aos seus é cozinhar uma torta de maçã, bater na porta do meu vizinho
e esperar por um sorriso genuíno. Às vezes, me pergunto se ele sabe que me
inspira com o seu piano, ou se dou um sorriso genuíno toda vez que escuto a sua
voz sendo bem gasta ao som de ópera italiana— são nesses pequenos momentos que
lembro que vale a pena viver e admitir/ encarar nos olhos tudo que traz medo.
São os poucos dias que passei de cama que me tiraram as luzes vermelhas que dediquei
tantas páginas— agora, os corredores do metrô estão cobertos de amarelo
vibrante, e foram nesses mesmos corredores que eu pensei; “quanta sorte tenho
em trabalhar com algo que me permite ser invisível, de certa forma”— foram
segundos depois deste pensamento que encontrei um par de olhos que me
reconheceu dos meus vídeos na internet—, todas as palavras sumiram de minha
boca, todas as minhas emoções eram furacões. Agora, o livro de meu querido se
deita ao meu lado, cheio de anotações, cheio de amor e história— que sorte! Que
sinal. Quanto mais fugimos do mundo, mais ela nos lembra que precisamos dele.
Acho que penso em tortas de maçã todas as vezes
que penso em conforto, não apenas por comida ser algo mais que sagrado e sensível
para a minha alma, mas, quando eu tinha dezesseis anos, passei minhas tardes almoçando
tortas de maçã ao lado de um bom livro. As únicas pessoas que falavam comigo
eram os meus professores e as garçonetes do café de uma esquina no ABC paulista—
o bom de ter passado anos tão importantes em um lugar longe de onde pertenço foi
poder criar um amor por rituais, um amor pela religiosidade que habita nas
pequenas coisas. Esse fogo que dorme no meu peito— que acorda a alma, a arte e
a poesia bucólica. Entre tinta rosa e cadernos floridos, muitos poemas nasceram
naquela esquina. Como costuramos a vida a alma do poeta, quando tudo que
fazemos é fugir? Ironicamente, fugimos para escrever sobre a vida. Não posso
fugir, ninguém pode. Essa é uma frase feita para repetir diversas vezes quando
o nosso coração nos afasta do que amamos— não podemos fugir da nossa alma, se
ela ficar em outra cidade, em outra casa, o nosso corpo volta para ela. Em
loopings, ou entre trens— sempre voltamos para a nossa alma. A minha (hoje, em
São Paulo) sempre esse se senta em uma cafeteria francesa, com um pedaço de
torta de maçã, pois não podemos alimentar o nosso corpo com nada além de amor,
e uma xícara de Earl Grey bizarramente quente— jamais poderia fugir disso, ou
dos livros, ou de olhos conhecidos entre os túneis—, jamais fugiria dos envelopes
que guardam as cartas de amor que escrevi para todas as mulheres e homens que
amei. O quanto mais fugimos, mais tempo a chama se mantém como um incômodo.
Mas, lá está ela; observando nossos olhos piscando suavemente, materializando
os sussurros dos nossos desejos, que logo se transformam em um corpo, algo que
podemos tocar/amar/sentir. Enquanto os nossos olhos estão abertos, ainda temos
tempo para sonhar. E ela se derrete em rios quietos, assim como as folhas que
se sentam no fundo de nossas canecas, e a escolha de tomar um tempo para ser
suas formas é uma escolha totalmente minha. Se sentar ao lado da borra de chá,
da cera seca, o destino é todo meu para ser lido e externalizado. A chama ainda
dança enquanto nossos olhos estão abertos.


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