UMA CRIATURA DO INVERNO
(UMA CRIATURA D)O INVERNO
Ser uma criatura do inverno é enxergar (ou
perseguir) a beleza mesmo quando o mundo cai em silêncio. O quanto mais gélido
o ar sopra, mais sã eu fico— Sozinha; sã. Debaixo d’água; sã— não esperar por
completo por um futuro amanhã em que eu leia suas confissões de amor; sã. No
sentido em que não realmente me importo com o que irá acontecer amanhã, se hoje
ainda estamos no inverno. Não incomoda meus dedos, na verdade, o inverno os
pega nas mãos e os beija (melhor & mais gentil que você). E, todos os
sentimentos se transformam concretos/ palpáveis. Você deveria dizer algo, você
deveria falar sobre o que sente—, somos feitos dos mesmos ossos. Você é um
fruto de minhas costelas— você carrega metade de minha alma nos bolsos. Somos
feitos de nossos sonhos elusivos: Você
Deve
Ser.
Meu mais novo poema fala sobre algo além de seu
maneirismo contra a sua própria corda bamba (você anda caindo de novo, e eu não
posso te ajudar se você não estender as mãos e me olhar com a alma que lhe
resta). Neste novo poema eu falo sobre cavalos, é claro, como sempre. Sua
natureza livre e emaranhada carrega uma ânsia pelo amanhã que é quase humana.
Ainda não sei desenhar cavalos, mas posso escrever sobre eles com um certo
nível de excelência— palavras podem ditar milagres, além do mais, milagres em si
são palpáveis— não são moldados em cima de mitos, mas sim das rugas entre seu
dedo indicador e o seu mindinho. Nós os agarramos com força e jogamos dentro de
bolsas, com a esperança de um dia achar eles na nossa frente de novo. E em
menos de um inverno, nossas vidas irão se descascar, deixaremos carcaças
diversas no tronco de árvores quase podres, seremos cigarras de carne macia e
vozes finas. Em menos de um inverno seremos mais velhos, sábios, vivos. Tudo
que morre volta para nós entre os sonhos e músicas de ruas centrais. Os ventos
cortantes nos trazem mais do que você possa imaginar. Para que possamos amar na
primavera, deveremos ser alguém. Formar um senso de corpo, voz, olhares. Falas
ainda não ditas estão sendo elaboradas entre bocas arroxeadas & novos
confortos nascem de momentos inesperados. É importante encontrar um senso de
vida quando o mundo inteiro renasce morto.
Estou
(aos poucos)
Descascando.
Inverno, minha estação, minha glória solitária—
onde posso morrer e renascer dentro dos mesmos ossos. Sinto o pouco de sol que
sangra pelas árvores e logo fico sã. Inverno, a minha estação. Quando eu
escolhi o inverno foi pelo simples fato de que meu aniversário está no olho de
seu furacão mais feroz. Mas, enquanto os anos passam diante de nossas rugas que
ainda estão por vir, criamos memórias pintadas em cima de cada raio de sol ou
pingo de chuva— e você sabe muito bem onde a minha alma pertence, não é mesmo?
Aos galopes contra o vento. Um pedaço de terra no meio do nada. As pegadas das
almas que nos fizeram ser. E eles odiavam o inverno e tudo que o faz— sua
natureza emocional. A sua cara bruta. O ar gelado. Eles odeiam a sensação das
mãos rígidas e dos pés quentes— eles não gostam de tudo que faz o frio ser
emotivo. O inverno me segura de uma forma que amor algum poderia— melhor do que
você e sua presença fantasmagórica, disso você pode ter certeza.
Esta é a minha última carta antes de uma grande
mudança de vida. Esta é a última vez que irei gritar na esperança de que você
ignore. Em poucos dias estarei flutuando— navegando e procurando por memórias
bonitas, e eu sei, eu sei, eu sempre soube que você não se importa com as
coisas bonitas longe de seu conforto. Mas, são em momentos como este que devemos
arrancar tudo de nossos corpos e virar um retalho de alma. São em momentos como
este que você honra o que foi, na esperança que o amanhã seja gentil. Você
odeia o inverno pois você detesta o que não pode controlar— não estou debaixo
de sua pele. Em poucos dias tudo aquilo que nos permitimos conhecer vai sumir,
e não tenho como pedir para que fiquemos nesta mesma mesa. Nossas xícaras estão
esfriando e você está envelhecendo. Não podemos ficar assim para sempre. Andei
lembrando de todas as coisas que queria falar, mas todas essas coisas foram
ditas de uma forma ou de outra.
Volto para casa, tiro minhas roupas e espero a
fumaça tomar conta dos reflexos— não me faça encarar ela nos olhos. Minhas
unhas estão quase sempre vermelhas ou manchadas de tinta. Sinto gosto de sangue
na ponta da língua. Durmo até o final da tarde— tem muitas coisas monótonas que
você não se interessa em mim, e existem poucas coisas surpreendentes dentro do
seu maneirismo. Sabe, esta pode ser a última vez que escrevo sobre ti. Ando
ouvindo as mesmas canções e ando lendo novos livros. Ando feliz, ando certa do
que quero da vida e estou prestes a completar dezenove anos de idade— meu último
ano dentro desta década de idas e vindas— tive cabelos de todas as cores (até as
que brilhavam no escuro), e tive roupas de todos os tipos cobrindo ou expondo o
meu corpo. Fomos mil e uma coisas antes mesmo de sabermos quem éramos, e eu
ainda não sei se você sabe quem é. Mas quem sabe? Você não permite seus ossos dançarem
ou a sua alma crescer. Estou aos poucos ficando semelhante a um figo com a
polpa macia e uma vespa sonolenta no meio— um dia você irá entender o que quero
dizer com isso.
Andei escrevendo poucas palavras, mas essas são
valiosas. Essas são boas, muito boas. Morri dois dias atrás, mas agora sou algo
novo dentro nas mesmas cercas. Talvez eu tenha as agarrado com muita precisão
ou talvez tenhamos escolhido metáforas opostas, e apesar de tudo, ainda estou
viva. Com a alma exposta, sempre.

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Ultimamente você e a sua escrita têm me feito atingir picos de obsessão: quanta paixão, quanta intensidade. As memórias e sentimentos que me vinham à mente enquanto lia o texto me pareceram tão reconhecíveis, tão reais, como se eu as pudesse tocar com a ponta dos meus dedos — enquanto calafrios vão tomando todo o meu corpo na medida em que a minha mão se aproxima. A sensação febril que permeia a forma como você escreve deixa nítido que não estamos lidando com meros pixels e polígonos projetados numa tela: é corpo, carne, veia, sangue... Meus olhos percorriam as linhas e me vem a sensação de ter em minhas mãos um corpo com um sangramento impossível de ser estancado.
ResponderExcluirVocê me deixou assustado e maravilhado, Lulu!!
meu amor! todo o seu carinho me faz sentir como se eu fosse a escritora mais sortuda de todos os tempos <3 <3 <3
ExcluirEste texto em si é uma colagem de diversos picotes dos últimos dias, e achei mais que justo compartilhar esta jornada com vocês, meus caros amigos de alma!!!! Sempre seremos corpo, carne, veia e sangue— é o que nos faz ser arte desta forma tão linda que somos, thehe
obrigada por todo o seu entusiasmo e amor, sempre!!!!