Os cidadãos da antiga Seattle— SWANCTUARY ARCHIVE
Eu vi um homem vasculhando por sacolas de lixo, e uma delas tinha a minha vida inteira lá dentro — Ele tratou ela como se fosse nada além de anotações rabiscadas, panos e vidro estilhaçado. E era exatamente isso, mas costumava ser muito mais. Eu desenhava naquele mesmo caderno e pensava que aquelas formas desengonçadas valeriam mais que uma casa — para mim valiam. Pois costumava me afogar em meus lençóis e rezar para que “o milagre” me levasse embora. Pintava aquelas mesmas páginas com minhas histórias quais mal consigo lembrar uma frase.
E isso estilhaçou minha alma pois eu não podia pará-lo, não poderia esbravejar por ele não saber o valor de algo que eu desisti — algo que joguei fora. E é engraçado pois queria esquecer sobre aquilo para sempre; não queria ser as manchas ou as palavras, ou as proporções ruins que desenhei quando pequena. Ainda sou jovem, mas agora eu pago pelos meus atos e eles culpam a minha idade pelo fato de carregarem pedaços de mim em seus bolsos. Entretanto ainda sou jovem o suficiente para rastejar para os braços de minha mãe e implorar por uma última história, uma última canção, um último abraço. Ainda sou tudo que queria provar não ser e aqueles rabiscos medíocres são mais importantes do que você possa imaginar. Vi pedaços meus sendo tratados como folhas de papel qualquer que pisamos sobre — porque era isso que eles são, mesmo tendo uma época em que foram minha vida & pulmões. Valiam um milhão de reais e eu seria memorável. Eu queria. Eu precisava.
Aquelas mesmas memórias construídas em cima de nada valioso o suficiente para ser preservado foram enterradas debaixo desta cidade — Uma nova cidade com ruas que você não se lembraria sobre, novas casas, novos pares de olhos cheios de vida e fiações que funcionam como raízes de árvores. Famílias perfeitas que aguardam seus pais voltarem com suas mãos cansadas. Que o convidam para se sentar e devorar o prato de comida mais cheio de um amor vazio que você verá, mas sem dúvidas é a coisa mais linda de todas. Existiu um tempo em que a antiga Seattle era sinônimo de casa para os errantes andarem de quatro com orgulho, fingindo serem criaturas bestiais. Para saborearem cada centímetro vivo, para sentirem em suas veias, para grunhir e sibilar, e usar roupas feitas dos vestígios dos escombros daqueles que vivem entre os pares de olhos desalmados. Houve uma época em que viviam de memórias insignificantes que um dia foram tudo que seus corpos pronunciavam. E rabiscos no papel valiam mais que alguns centavos e cacos de vidro eram suas armas, e os mantinham seguros do que quer que estivesse lá fora para os pegar — você tem que acreditar que existe algo lá fora para os pegar. Salivando ao fantasiar corrigi-los, arrancar o sorriso de seus rostos animalescos. Por favor, acredite quando digo que tem algo ou talvez alguém lá fora tentando nos punir.
Então feche as portas, e espere que eles não saberão que aquelas mesmas páginas estão assinadas com o seu sangue , e que você pertencia a antiga Seattle — que se rastejava de quatro, e agia feito gárgula, e talvez até como uma besta da Babilônia. Você era aquelas paredes e sangrava tudo que escorria pelo cimento craquelado, e podemos jogar fora os pedaços de papel e fingir que não nos lembramos como aquelas mesmas memórias dançam em nossas mentes. Mas não posso escapar, e eles estão vindo atrás de nós. E eles tratam os meus dias esquecidos mais valiosos como se fossem escombros.

.jpg)
.jpeg)
Comentários
Postar um comentário