CEREJAS QUASE MADURAS DEMAIS— SWANCTUARY ARCHIVE
Meu caro, ando me perguntando se tudo seria diferente se eu não tivesse ignorado o tempo, o meu corpo, meu tamanho e a minha idade. Acho que quero me deitar debaixo do sol. Quero te olhar nos olhos e chorar. Você ouviria? As histórias. As memórias — sobre como tenho medo dos olhares distantes que nos perseguem, você me escutaria? Se eu conseguisse um trabalho deprimente que me pagasse bem o suficiente para ter uma vida ao seu lado, você ficaria? E o gosto do amargo no fundo de nossas gargantas, que desvia nossas palavras para onde nunca deveríamos ir — você as sente derretendo?
Agora estou aos poucos voltando, aterrando meu corpo. Uma senhora me disse um dia que precisamos deixar nossas almas saírem de nossos corpos de vez em quando. Que ela tem que crescer fora de nós para um dia voltar — para encontrarmos “aquilo”, o que quer que “aquilo” seja. Só sabemos que nos completa. E que vomitamos quando nossos corpos precisam voltar à vida, voltar para um começo. Como se a vida fosse aquele maldito ciclo que evitamos (Ouroboros, em seu auge e em sua glória). Isso ficou cravado em mim, e eu acho que sempre vou pensar nisso.
Não posso mais correr contra os ponteiros esperando que as horas se agarrem em minhas blusas e me puxem para onde quero ir. Eu preciso parar. Eu preciso olhar para o divino e esperar até que a terra que eu piso não me engula por completo. Quando minha alma voltar para mim, por completo, eu vou ser — cerejas quase maduras demais escorrendo de nossas bocas, debaixo das árvores que nos viram crescer entre as cores das estações. Eu vou ser sonhos de olhos abertos e sapatos de couro. Vestidos de algodão e beijos gentis. Mãos quentes e o canto abafado dos pássaros.
Existe algo lindo em estranhos que aparecem na hora certa com as palavras exatas que precisávamos ouvir. Talvez eles nunca realmente entendam o que os fez tão especiais para nós. E talvez essa seja a poética da questão. Porque, às vezes, precisamos nos sentar ao lado de ossos desconhecidos e expor todas as nossas estranhas com a esperança de nunca mais vê-los. E então, nossas almas irão girar e fazer piruetas até nossos corpos. Estaremos em casa e poderemos sentir o cheiro de madeira velha de novo.
Lábios macios secando debaixo dos dias de verão que você provavelmente esqueceria. Mas eu não vou. Eu prometo que vou lembrar de cada ruga que ainda está por vir. Cada suspiro seu. E como seu perfume aos poucos se perdeu entre as gotas de suor. Como os cisnes dormiam perto de nós. Como eu te vi cheio de vida pela primeira vez. Que costumávamos odiar o Sol, mas que algo gentil anda crescendo em nós e nos fazendo almejar os delírios que vêm com ele. E, quando fecho meus olhos e te encontro de novo — onde tudo se molda entre fantasias e profecias de papel.
Coloco meus pés no chão, de novo. E eu sinto meu coração batendo. Não sinto medo de morrer. Pois meus pés estão amarrados na grama, e o oceano não irá me engolir. O sal não irá me machucar. Pois meus sapatos estão cobertos de lama. Minhas mãos estão abertas, esperando que minha alma volte para mim. Que tenha gosto de salvaguarda de novo. Cerejas quase maduras demais e o amargo no fundo de nossas gargantas — minha alma voltando para mim, e tudo o que fomos ficando em seus devidos lugares. Fomos assim, enquanto o eterno era palpável. E agora olhamos para o céu, esperando um novo pedaço de nós se deitar entre nossos ossos.

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