CARTAS DE UM SONHO— SWANCTUARY ARCHIVE

 



“eu irei escrever apesar de tudo”, Franz Kafka.

Meu caro amigo, sou uma sonhadora e uma das grandes — nesta última noite sonhei com a menina dos cabelos de cobre. Estávamos em uma cafeteria qualquer; éramos estranhas em um dia peculiarmente chuvoso em terras desconhecidas. Eu fugia dela com meus olhos sobrecarregados de rios de saudade, mas deixei para trás o cachecol marrom que mamãe me deu anos atrás — lembre-se de mim, por favor lembre-se de mim. No sonho éramos mais velhas, éramos sábias e ela fez de tudo para me devolver o cachecol marrom — ela queria se esquecer que um dia conheceu cada sarda de meu rosto, que chorou em meu colo e passou dias eternos entre as tranças de nossos cabelos. Ela quer se esquecer de mim. Ela quer ser tudo que nunca foi — ela quer se esquecer de mim.

Sou uma sonhadora e tanto. Agora tinjo estas páginas de preto, quebrando o ciclo de páginas coloridas de roxo, minha cor favorita. Eu quero esquecer de mim. Sempre volto para a tinta fresca tradicional, talvez buscando por algo para segurar meus pés no chão. Talvez buscando por coerência. Eu sou uma sonhadora e tanto. Ando dormindo e acordando de eternidades que eu faria de tudo para serem a minha realidade, mas ouvi que preciso apreciar o gosto amargo do presente — mamãe me diz que minha maior missão de vida é aprender a ser feliz. Tudo isso me assusta tanto, caro amigo.

Eu sou uma sonhadora, uma das maiores — o pior tipo. Eu preferiria morar entre as pegadas da minha imaginação, pois entre os sonhos que ando tendo existe uma casa, uma família e um jardim com a grama recém-cortada, e um caminho tracejado à mão que nos guia para um daqueles lugares onde crianças têm seus primeiros beijos e declarações de amor são eternas. Bem, eu devo ser um tanto quanto hipócrita, pois continuo declarando amor aos meus sonhos enquanto detalho a minha vida presente de forma tão sensível, cheia de alma, cheia de carinho — é engraçado, pois sempre declarei como odeio essa cidade, mas eu amo a minha vida aqui. Assisto meus amigos rindo alto enquanto te escrevo — finjo entender suas piadas na grande maioria das vezes, pois eles entendem de algo que livro algum nunca me ensinou. Eles são felizes em seus corpos desengonçados, com seus dias bucólicos e almas ingênuas — eles sabem viver cada canto desta cidade como se fosse um dia de primavera.

Amigos, meus caros amigos, acho que eles não entendem. Almejo um lugar onde eu pertença, mas amo viver aqui. Todas as ruas rachadas, todas as lojas de famílias que vivem nesta cidade há mais tempo do que todos os meus anos de vida acumulados. E, as ruas das quais reconheço cada cantinho onde manchei com beijos e encontros alheios. Ah, meu querido, eu amo isso tudo. Eu amo, amo muito, que desgraça. Algo em mim quer chorar, algo em mim quer morrer, algo em mim quer viver.

Hoje, quis ser muda, mas acabei me traindo ao me deixar levar pelas risadas contagiantes dos meus garotos favoritos. Falamos por horas sobre absolutamente nada — que lindo que foi tudo isso. Acabei me deixando levar pelo conforto, até tomei sol sem protetor solar. Ando tentando tudo para escapar desta onda de mágoas que está tentando me afogar mais uma vez. Isso cansa meus ossos, então os fervo no sol de inverno. O sol não anda me incomodando tanto nestes últimos dias, não como me perturbou nos últimos cinco anos. Ainda me incomodo com sua potência ao sair de casa, mas ainda consigo aproveitar o sol veemente neste inverno. Amigo, ando caindo no sono todos os dias entre as três e cinco da tarde — quando o calor invade meu quarto —, então talvez meus sonhos sejam alucinações dos dias estranhamente quentes que passamos, ou eles são desejos de alma, mas ainda não sei ao certo. Te manterei atualizada, e se algum dia eu descobrir a resposta dos meus sonhos, te contarei tudo que puder compartilhar.

— Com amor, Luiza.

Comentários

Postagens mais visitadas